domingo, março 04, 2007

Dona Maria Oliva

Ela não poderia ter nascido numa outra data qualquer. Nasceu na data dos enamorados: 12 de junho. E se tornou de fato enamorada no momento em que viu o meu avô. Talvez eu esteja romantizando demais a história dos dois, mas acho que eles gostariam que eu contasse assim. Ambos eram “experts” em dar magia às histórias e adorávamos isso, por mais que aumentassem e floreassem.

Se minha avó passou sua vida na pobreza, era rica de espírito e nunca deixou seus filhos passarem fome. Plantava hortaliças e árvores frutíferas no seu quintal. Um quintal que quando criança eu via enorme e achava que poderia alimentar infinitamente. Tinha esta impressão porque de fato alimentava os nossos olhos de tão viçoso e de tão grande que era nossa família. Minha avó era rica em filhos e em amor. De manhã cedo ela fazia café para os garis da rua. Dava um pão com manteiga a cada um. Todos sentavam na calçada e tomavam café contando casos e cousas. Assim, ela se interava das histórias da cidade. Era praticamente seu jornal matinal. Junto com as filhas mais velhas, olhava por todos os pequenos. Zelar para que todos tivessem tomado café e banho. Depois disto, cuidar da casa, do almoço e vender os gêneros na feira. Trocar o excedente pelo que não poderia cultivar em casa e eis o milagre da multiplicação. Os rapazes iam caçar pra complementar a refeição. Acho que alguns dos guris não eram tão ligeiros e caçavam jabutis (se é que isso pode ser chamado de caça...). Quantas vezes meu pai não me falou de quando ele ia pegar jabuti debaixo do juazeiro (fazendo referência que havia tanto jabutis que eles pegavam despreocupadamente achando que nunca iriam acabar).

Não tenho dúvidas que a vida da minha avó não era fácil. Mas não tenho dúvidas do respeito que todos aqueles que tiveram a chance de conhecê-la sentiam por ela e do amor que seus filhos lhe dedicaram. Rezadeira, cuidava da espiritualidade de seu povo. Rezou muitos meninos e meninas. Lembro inclusive de quando ela ia me rezar. Me botava sentada numa cadeira em seu quintal, pegava um ramo de uma planta que hoje não reconheço mais e se punha a fazer o sinal da cruz a minha frente. Falava baixo e rápido. Não entendia nada que ela dizia, mas ela franzia a testa e eu via tanta fé no apertar de seus olhos que acreditava que depois daquilo poderia brincar em paz, fazer qualquer arte. Nada ia me acontecer. Bom, pelo menos nunca aconteceu... mas também nunca brinquei de super-girl para pular de nenhum prédio.

Minha avó não tinha dinheiro para comprar brinquedos para os netos, então costurava bonecas de panos para as meninas e fazia carrinhos de lata de óleo para os meninos. Às vezes também fazia uma boneca com as folhas de uma planta que tinha no quintal. O ramo tinha folhas opostas, então duas opostas eram os braços e outras duas opostas eram as pernas. A folha ímpar e terminal era a cabeça. Hoje quando lembro disso penso o quanto ela nos fazia usar nossa imaginação. Nossa fábrica de bolos de lama retirada de seu quintal era uma das coisas que fazíamos que a deixava de cabelo em pé... eu e minhas primas cheias de terra preta e prestes a pegarmos uma micose. Ela sempre foi forte, acho que sempre deve ter sido muito paciente, sempre amou meu avô e sempre, de uma maneira ou de outra, cuidou dos seus.
Se existir vida após a morte, minha avó, Dona Maria Oliva, foi encontrar meu avô na sexta-feira (dia 23/02). Seu enterro ocorreu sob uma fina garoa e leve cheiro de terra molhada. Havia em todos os presentes, acima de tudo, um sentimento certeiro de que ela havia cumprido sua missão na terra.

2 comentários:

tatiana hora disse...

ô Lory, juro que quase choro lendo seu texto.

linda a sua avó!

assim como a neta!

xero

Rafaela Tavares disse...

olá!
Vc não me conhece... mas a sua avó me lembrou a minha. e os avós sempre marcam a vida da gente.A minha tbm se foi, mas a lembrança de quando ela ensinava fazer boneca de pano, das tardes na casa dela ainda permanecem..
Belíssimo texto. nem precisou enfeitar as palavras, a vida que é linda mesmo. rs
Adorei seu blog.
bjo