quinta-feira, dezembro 25, 2008

A saboneteira

Ele estava espreitando pela janela. Não sabia quem era ela nem de onde vinha. Sabia que tinha que continuar observando-a como se ela fosse desmanchar a qualquer momento. Capturar. Era isso que ele queria! Capturar a imagem. Cada detalhe, o contraste com o fundo, sua silhueta. Assim ele se comportava com tudo que achava belo. Ficava hipnotizado observando minutos e, às vezes, horas.
Chegou em casa e rememorou a última bela visão que havia tido naquele dia. De olhos fechados ele a viu. Cabelos cacheados, longos até a altura dos ombros. Que ombros... lindos ombros claros com pequenas manchinhas de sol. Ficou imaginando aqueles ombros mais de perto... e mais perto... ombros de uma pele delicada, suave... penugem clara mesclando pêlos loiros de tons claros a outros mais escuros. Deu um longo suspiro... abriu os olhos e reviu o teto. Fechou-os de novo e viu os ombros e um pouco mais acima destes. A sa-bo-ne-tei-ra. Era assim que ouvia chamar quando pequeno aquela rentrância entre a clavícula e o músculo trapézio. Ficou envaidecido de ainda lembrar o nome de alguns músculos aprendidos durante as enfadonhas aulas de anatomia. Mas voltando à "saboneteira", como pode um nome cair tão bem? De fato, caberia ali um sabonete, não muito grande e nem pequeno demais. Imaginou pessoas andando elegantemente equilibrando sabonetes nas "saboneteiras". Cada um com seu sabonete de tamanho ideal e, assim, lhe venho uma dúvida... e as gordinhas... haveria para elas lugar para um sabonete ou seriam estas desprovidas de saboneteiras? Bem do mundo... Nem todos são iguais. Mas não haveria igual saboneteira como a que ele viu hoje.

segunda-feira, dezembro 08, 2008

falta

sinto falta... sinto falta de escrever aqui. Tenho um outro blog, sabe? o MIMIMI. Um nome muito legal, né?! Mas não é tão especial quanto este aqui. Esse foi o primeiro e o que escrevi aqui foi espontâneo. Não estava tentando conquistar vcs... estava tentando me conquistar. E isso me faz pensar que eu ainda me amo e que isso é muito, mas muito bom. Um dia vou ter tempo e dinheiro de sobra pra escrever despreocupadamente.

sexta-feira, janeiro 04, 2008

A janela e a menina

A menina tinha uma janela no seu quarto. Uma janela que dava para uma grande área ao lado da casa. Mal sabia ela que a janela era tão importante e só soube de fato quando a perdeu. De quantas maneiras possíveis se pode usar uma janela? No dia-a-dia da garotinha havia várias. Por que sair pela porta? Por que usar aquela porta sem graça se havia a janela? Sim, a janela era a melhor porta para ela (e talvez para a maioria das crianças de sua idade). Dava mais trabalho, pedia da menina mais atenção, mais cuidado, mais contorcionismo, mais equilíbrio e era sedutoramente mais perigoso. Também era um modo de chamar a atenção. “Menina, não faça isso!” E ela fazia. “Você é uma mocinha”. Não, não era... e nem queria ser. “Você vai acabar se machucando”. Era o que adorava ouvir, pois sabia que não ia se machucar, mas sabia que gostava que os outros se preocupassem com ela. A janela também servia para enfeitar seu quarto. Colocava mil cacarecos coloridos no parapeito da janela. Eram bonecas (ou pedaços delas), enfeites (ou pedaços deles), revistinhas (ou algumas páginas soltas)... empilhava tudo isto na idéia de que deveria estar a mão (de um lado ou do outro da janela), para depois tirar tudo quando precisava sair do quarto. A janela era usada para atiçar a imaginação. Como assim? Dava pra ver o céu e as infinitas formas de nuvens e, a cada uma destas, a menina ia dando nome. “Coelho!”, “avião!”, “telefone!”... Era uma festa. A janela ainda tinha um papel que a menina pouco ligava, o de arejar o quarto.


Um dia, o pai da garotinha achou que aquela área lateral da casa era um desperdício de espaço e fechou a janela do quarto da menina com blocos, uma mistura de areia e cimento, e uma parca camada de tinta para encobrir que algum dia existira uma janela ali. Construiu pequenas salas para alugar e complementar a renda. A menina foi obrigada a sair pela porta e já não podia admirar do seu próprio quarto os diversos seres e coisas que viajavam lentamente pelo céu. Aquilo que ela pouco dava atenção agora lhe fez a maior falta, o arejamento de seu quarto. Este agora era deveras escuro e mofado... o sol não entrava nunca. Seu pai tentou compensar a escuridão com lâmpadas de maior potência e tentou compensar o pouco arejamento com uma pequena abertura no alto da parede que dava para a cozinha. Por essa abertura, além de um pouco de ar também entrava o zum-zum-zum da conversa na cozinha, o barulho do rádio e os estalos das frituras, os sons metálicos das panelas... Não dava para dormir direito, principalmente quando alguém resolvia fazer uma boquinha de madrugada. Ela sentia que nada substituiria a “janela-porta” do seu quarto. O lugar ficou abafado e seu pai lhe comprou um ventilador. A menina tinha uma séria alergia ao fungo que se desenvolveu em seu quarto, principalmente por causa da estação fria e seu pai então lhe deu remédios. Para lhe entreter seu pai também lhe deu uma televisão e, segundo o pai, a menina superara a falta da janela, pois agora menina ficava o dia todo na frente da televisão, arejada por um ventilador e tomando seus remédios para alergia.