Bom, vou contar uma história que, verdade ou meia-verdade, é assim que me foi contada e é assim que a contarei pra vocês. É a história dos meus avós paternos. Meu avô, o velho João Ribeiro, era soldado de Paulo Afonso (BA) e um dos homens-de-ouro do Nordeste. Aí você me pergunta: – Mas o que são “os homens-de-ouro”? Bom, eram homens mandados pra resolver conflitos em determinadas regiões do Nordeste. Homens que não tinham medo e que cumpriam qualquer missão. Eles iriam a qualquer lugar prender quem quer que fosse. Numa dessas missões, meu avô foi até Pão-de-açúcar – Alagoas. Lá, ele conheceu minha avó, Dona Oliva. Não sei como ele a viu e que impressão teve, mas deve ter sido boa, pois, ao voltar lá pela segunda vez, casou-se. Minha avó sempre falou que ela havia se encantado com aquele homem alto, de uniforme e (como num conto de fadas) montado num cavalo branco. Minha avó tinha apenas 16 anos e meu avô mais de 30. Foi amor à primeira vista.
Mudavam-se com freqüência. Moraram em muitos lugares no interior da Bahia e no decorrer dessas mudanças tiveram 18 filhos! Umas das explicações da minha avó e de meus tios é que ainda não havia chegado televisão por aquelas bandas naquela época. Meu pai, seu Sebastião (ou mais conhecido como Sebá, Galego do celular ou Bahiano), nasceu em Antas – BA (não tirem onda, ok?!).
Mesmo com uma família tão grande, meu avô não deixou de viajar. Então ele deixava minha avó buchuda (tradução: grávida) e, quando voltava de viagem, ela já havia tido a criança. Voltava com tanta saudade de minha avó que acabava por deixá-la grávida de novo. Era um círculo vicioso. Uma baita contribuição para superpopulação humana.
Minha avó, coitada, ia se virando pra criar os filhos da melhor maneira possível. À medida que os primogênitos iam crescendo, ela ganhava apoio para cuidar das demais crias. Dessa maneira, a filha mais velha, tia Deceles, perdeu a infância cedo para cuidar dos irmãos mais novos. Era uma segunda mãe.
Minha avó nunca beijou meu avô na boca. Sempre teve nojo do beijo. Quando eu dizia a ela que isso era loucura e que beijar na boca era uma das melhores coisas da vida, ela resmungava e entortava a cara meio que querendo dizer: – Vocês é que são loucos!
Hoje tenho incontáveis primos. Óbvio que os filhos, netos e bisnetos dos meus avós têm menos filhos (já não passam mais de 10 por casal), mas ainda é padrão na minha família o “crescei e multiplicai-vos”. Então, o fato de eu ainda não estar casada e nem se quer ter um namorado (quando todos os meus irmãos e 90% das minhas primas já casaram) é considerado uma aberração. Nas festas as pessoas sempre perguntam: “E vc? Já está com namorado?” ou “você não pensa em se casar?”. Por isso gosto tão pouco de festas familiares... Sinto-me tão deslocada... Mas confesso que quero sim juntar minha escova-de-dentes com alguém... na verdade... escrevi esse texto porque sou um ser nojentamente romântico e acho a história dos meus avós linda. E isso não se compara ao relato de minha avó com sua voz apaixonada, com seu olhar distante, tentando enxergar um tempo pretérito, mas que é só seu. Sempre que a ouvia contar essa história, via seu olhar no horizonte e tinha a forte impressão de que ela olhava para meu avô chegando em seu cavalo branco. Chamando-a para perto de si. Eis que minha avó, se existir vida pós-morte, está finalmente perto de reencontrá-lo. Agora uma mulher miúda numa cama, raquítica, diferente daquela mulher que sempre vi forte, limpando a casa, trabalhando na feira, andando léguas com uma balde d’água na cabeça (daí sua cabeça chata) e cuidando de seus 18 filhos.
Vai minha avó. Vai que meu avô te espera...
e sei, que por mais adversa que tenha sido sua vida, você foi feliz.
20/11/2006
Mudavam-se com freqüência. Moraram em muitos lugares no interior da Bahia e no decorrer dessas mudanças tiveram 18 filhos! Umas das explicações da minha avó e de meus tios é que ainda não havia chegado televisão por aquelas bandas naquela época. Meu pai, seu Sebastião (ou mais conhecido como Sebá, Galego do celular ou Bahiano), nasceu em Antas – BA (não tirem onda, ok?!).
Mesmo com uma família tão grande, meu avô não deixou de viajar. Então ele deixava minha avó buchuda (tradução: grávida) e, quando voltava de viagem, ela já havia tido a criança. Voltava com tanta saudade de minha avó que acabava por deixá-la grávida de novo. Era um círculo vicioso. Uma baita contribuição para superpopulação humana.
Minha avó, coitada, ia se virando pra criar os filhos da melhor maneira possível. À medida que os primogênitos iam crescendo, ela ganhava apoio para cuidar das demais crias. Dessa maneira, a filha mais velha, tia Deceles, perdeu a infância cedo para cuidar dos irmãos mais novos. Era uma segunda mãe.
Minha avó nunca beijou meu avô na boca. Sempre teve nojo do beijo. Quando eu dizia a ela que isso era loucura e que beijar na boca era uma das melhores coisas da vida, ela resmungava e entortava a cara meio que querendo dizer: – Vocês é que são loucos!
Hoje tenho incontáveis primos. Óbvio que os filhos, netos e bisnetos dos meus avós têm menos filhos (já não passam mais de 10 por casal), mas ainda é padrão na minha família o “crescei e multiplicai-vos”. Então, o fato de eu ainda não estar casada e nem se quer ter um namorado (quando todos os meus irmãos e 90% das minhas primas já casaram) é considerado uma aberração. Nas festas as pessoas sempre perguntam: “E vc? Já está com namorado?” ou “você não pensa em se casar?”. Por isso gosto tão pouco de festas familiares... Sinto-me tão deslocada... Mas confesso que quero sim juntar minha escova-de-dentes com alguém... na verdade... escrevi esse texto porque sou um ser nojentamente romântico e acho a história dos meus avós linda. E isso não se compara ao relato de minha avó com sua voz apaixonada, com seu olhar distante, tentando enxergar um tempo pretérito, mas que é só seu. Sempre que a ouvia contar essa história, via seu olhar no horizonte e tinha a forte impressão de que ela olhava para meu avô chegando em seu cavalo branco. Chamando-a para perto de si. Eis que minha avó, se existir vida pós-morte, está finalmente perto de reencontrá-lo. Agora uma mulher miúda numa cama, raquítica, diferente daquela mulher que sempre vi forte, limpando a casa, trabalhando na feira, andando léguas com uma balde d’água na cabeça (daí sua cabeça chata) e cuidando de seus 18 filhos.
Vai minha avó. Vai que meu avô te espera...
e sei, que por mais adversa que tenha sido sua vida, você foi feliz.
20/11/2006
6 comentários:
legais seus textos :D
parece aquelas histórias que gabriel garcía márquez conta.
gostei.
xero, neguinha
=)
Perfeita... perfeita... a historia. Dá até pra fazer um filme.
bjs
Que bonitinho, Lorinha! Bela história e bela redação!
Como eu te desejo tudo de bom, um namorado obviamente entra no pacote. Mas torço para que ele não seja muito ciumento, pois, assim que eu pisar novamente o nosso chão, minha próxima andança será rumo a você, tá?
;P
oi lorena tudo bom, gosto de ler suas redacoes criativas q fazem o leitor mergulhar na historia!!!!bjo...
Não havia lido, mas é otima a narrativa,concisa engraçada e de um humor sutil. adorei!!!, gostoso de ler!! um cheiro!!
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