sexta-feira, janeiro 04, 2008

A janela e a menina

A menina tinha uma janela no seu quarto. Uma janela que dava para uma grande área ao lado da casa. Mal sabia ela que a janela era tão importante e só soube de fato quando a perdeu. De quantas maneiras possíveis se pode usar uma janela? No dia-a-dia da garotinha havia várias. Por que sair pela porta? Por que usar aquela porta sem graça se havia a janela? Sim, a janela era a melhor porta para ela (e talvez para a maioria das crianças de sua idade). Dava mais trabalho, pedia da menina mais atenção, mais cuidado, mais contorcionismo, mais equilíbrio e era sedutoramente mais perigoso. Também era um modo de chamar a atenção. “Menina, não faça isso!” E ela fazia. “Você é uma mocinha”. Não, não era... e nem queria ser. “Você vai acabar se machucando”. Era o que adorava ouvir, pois sabia que não ia se machucar, mas sabia que gostava que os outros se preocupassem com ela. A janela também servia para enfeitar seu quarto. Colocava mil cacarecos coloridos no parapeito da janela. Eram bonecas (ou pedaços delas), enfeites (ou pedaços deles), revistinhas (ou algumas páginas soltas)... empilhava tudo isto na idéia de que deveria estar a mão (de um lado ou do outro da janela), para depois tirar tudo quando precisava sair do quarto. A janela era usada para atiçar a imaginação. Como assim? Dava pra ver o céu e as infinitas formas de nuvens e, a cada uma destas, a menina ia dando nome. “Coelho!”, “avião!”, “telefone!”... Era uma festa. A janela ainda tinha um papel que a menina pouco ligava, o de arejar o quarto.


Um dia, o pai da garotinha achou que aquela área lateral da casa era um desperdício de espaço e fechou a janela do quarto da menina com blocos, uma mistura de areia e cimento, e uma parca camada de tinta para encobrir que algum dia existira uma janela ali. Construiu pequenas salas para alugar e complementar a renda. A menina foi obrigada a sair pela porta e já não podia admirar do seu próprio quarto os diversos seres e coisas que viajavam lentamente pelo céu. Aquilo que ela pouco dava atenção agora lhe fez a maior falta, o arejamento de seu quarto. Este agora era deveras escuro e mofado... o sol não entrava nunca. Seu pai tentou compensar a escuridão com lâmpadas de maior potência e tentou compensar o pouco arejamento com uma pequena abertura no alto da parede que dava para a cozinha. Por essa abertura, além de um pouco de ar também entrava o zum-zum-zum da conversa na cozinha, o barulho do rádio e os estalos das frituras, os sons metálicos das panelas... Não dava para dormir direito, principalmente quando alguém resolvia fazer uma boquinha de madrugada. Ela sentia que nada substituiria a “janela-porta” do seu quarto. O lugar ficou abafado e seu pai lhe comprou um ventilador. A menina tinha uma séria alergia ao fungo que se desenvolveu em seu quarto, principalmente por causa da estação fria e seu pai então lhe deu remédios. Para lhe entreter seu pai também lhe deu uma televisão e, segundo o pai, a menina superara a falta da janela, pois agora menina ficava o dia todo na frente da televisão, arejada por um ventilador e tomando seus remédios para alergia.